As motivações que me levaram aos erros, hoje me parecem mais
claras, mais explicadas por meu comodismo, meus medos, minha covardia perante
situações muito difíceis, minha vaidade e orgulho... meu egoísmo, enfim. Essas motivações, tão entranhadas em minha
humanidade ainda tão primária, explicam, mas não justificam, as minhas
atitudes! Entendo isto hoje e busco me perdoar, mas não posso ser complacente e
desonesta comigo mesma. Não posso justificar o injustificável, argumentando que o mundo é injusto, que eu merecia mais,
que não quero carregar esse ônus, que preciso ser feliz...
Tendemos a justificar nossos atos, manipulando a verdade,
distorcendo os fatos para adequá-los às nossas necessidades, acusando os outros
ou as injustiças e distorções sociais, e até a Natureza ! Na verdade, pertencemos a grupos humanos,
somos criados e influenciados por eles, mas, ainda assim, somos seres únicos,
livres e responsáveis por nossas escolhas e atitudes. Muitos abrem mão dessa
responsabilidade, optando por ser apenas eternos repetidores ou eternos
confrontadores, aprisionados aos grupos dos quais fazem parte.
Refletindo sobre motivações e justificativas, é um grande
paradoxo que, hoje, finalmente num momento de grande conscientização e
responsabilidade pela Vida, pelos seres vivos de todas as espécies da Natureza,
resolvamos fazer uma exceção e nos justificarmos advogando o direito de
destruir a vida de um Ser Humano, apenas porque sua vida se revela “inoportuna”!
As sociedades humanas, guiadas pelas razões do ego e pela
força, sempre foram injustas com as mulheres, mais vulneráveis, oprimidas,
exploradas e subjugadas pelas leis dos mais fortes. Mas, hoje, em muitas
sociedades que evoluíram em direção à Liberdade e ao Respeito ao Outro, as mulheres
podem gritar e exigir uma igualdade de direitos. Então, torna-se tristemente
irônico, incoerente e absurdo, que agora sejam elas que advoguem o direito de
calar e se livrar dos mais vulneráveis, porque são “não desejados”, porque são “inoportunos”, são “intrusos” em seus corpos,
por força de uma “Natureza injusta”! É uma solução mais prática, de novo a solução
do mais forte...
Censurar as distorções sociais, não conseguir fazer valer
minha voz nas relações com meu parceiro ou com minha família, não conseguir enfrentar
meus medos, “vergonha”, vaidade, não querer abrir mão de projetos mais urgentes,
porque não consegui administrar melhor meu corpo e meus desejos, etc... tudo isso, num dado
momento da vida foi demais para mim! Mas, o fato de ter cedido às minhas
dificuldades, procurando uma saída mais prática e salvadora ( para mim), não
deve me levar a advogar e justificar minha fuga e meu abuso sobre um vulnerável
indefeso.
Numa visão egóica e puramente racional poderia me
justificar, gritando que sou dona do meu corpo, ignorando a realidade da Natureza,
que me fez guardiã e depositária de outro corpo, desse “excesso” não desejado
ou inoportuno. Essa visão poderia me isentar de toda responsabilidade. Mas, se hoje
me reconheço como um ser espiritual, buscando
valores éticos e amorosos, preciso fazer uma releitura de minhas atitudes e
escolhas do passado, olhando com honestidade, sem atalhos e justificativas,
minhas motivações e opções, tentando me perdoar por aqueles que prejudiquei, tentando fugir da dor,
tentando ser “feliz”.
Muitos dos medos e fraquezas do passado ainda existem em
mim, com maior ou menor intensidade. Minhas escolhas do passado não devem me
assombrar e açoitar em culpas para sempre, porque o passado não volta, mas não
devo minimizá-las justificando-as, num processo triste de auto engano, que me
leva à estagnação. As sociedades precisam encarar a necessidade
de suas próprias mudanças, educando as mulheres para os cuidados de prevenção
com sua sexualidade, protegendo-as, conscientizando-as, em vez de, novamente e
como sempre, abafar, calar, abortar... os mais fracos!