Desempenhamos vários papéis durante nossas vidas e nos foi dado um roteiro de como desempenhá-los. Aos pais foi dada a tarefa de receber, amar, proteger e orientar outras criaturas, os seus filhos. Poderosos laços afetivos foram sendo construídos e reforçados ao longo desse convívio. Mas nos ensinaram e acreditamos, equivocadamente, que essa tarefa, se perfeitamente executada, deveria impedi-los de errar ou sofrer. Se falhássemos nessa “missão impossível”, a vergonha e a culpa seriam para sempre nossos algozes. No entanto, os filhos erram, os filhos sofrem, os filhos têm suas próprias histórias, construídas através de suas próprias escolhas, necessidades e possibilidades. E nós temos nossos próprios limites para acertar e errar. Dessa interação de humanidades, equivocadamente baseada em crenças idealizadas, irreais e de amor apegado, quantos erros, quantas dores, quantas culpas! A consciência de nossas falhas humanas (medos, omissões, agressões...) se afigura imperdoável ante essas crenças e nos açoita com a culpa. A culpa e o remorso, que nos fustigam num replay interminável, ficam aderidos a nós e aumentam o horror de não poder impedir a dor de quem amamos e ter que presenciá-la, impotentes, nos cobrando como incompetentes.Para conviver com essa agonia, arranjamos desculpas, distribuímos outras culpas, evitamos pensar, nos negamos às lembranças...
Podemos, finalmente, entender racionalmente que precisamos nos perdoar, pois não poderíamos ter sido perfeitos e onipotentes, capazes de direcionar o destino dos outros, mesmos de quem tanto amamos. Entendemos que precisamos ser humildes e abolir uma crença ideal, arrogante e perfeccionista que nos leva à culpa. Mudando essas crenças evito julgamentos, críticas e evito desenvolver novas culpas quando falhar. Aprendo que é preciso aceitar erros, transformando culpas em responsabilidade em mudar, fazer melhor, aprender com erros, me transformar.
Mas, e as velhas culpas que ficaram do passado? Converso comigo repetidamente, me relembrando o novo modo de pensar, mas isso não me livra desse sentimento terrível, agoniante, aderido como um visgo, que se recusa a sair, que sufoca, que parece nos açoitar de tanta dor? Nosso mundo interior parece funcionar como um lago que tentamos manter sereno, aparentemente límpido, mas ao confronto com as lembranças que remexem o fundo, levanta-se todo o lodo, emerge a culpa e grita a dor. “Sentimento ilhado, louco, amordaçado, volta a incomodar...”
Não adianta querermos fugir de nós, dos nossos sentimentos mais antigos. Só através do compartilhar, nos permitimos revolver esse mundo escondido, levantar as dores e deixá-las ir saindo, como as águas não represadas, que seguem, fluem... Preciso falar, gritando minha dor, abrindo meu peito, chorando, abrindo mão do meu orgulho até transformar minha humilhação escondida em Humildade que traz serenidade. Preciso elaborar o luto de não ter conseguido ser quem eu queria ter sido para meus filhos, consolando-me com o silêncio dos que me ouvem e me acolhem. “Um pouco de cada vez”, esse nosso lago interior poderá ir-se libertando desse fundo escuro de culpas, tornado-se cada vez mais, verdadeiramente, límpido e sereno, deixando transparecer nosso interior, já então mais renovado, leve, pleno de boa vontade para, “Um dia de cada vez”, nos responsabilizarmos em sermos melhores.
Sempre tanta delicadeza nas palavras tude!!
ResponderExcluirCompartilho da sensação da exposição que humilha para nós tornar humildes..