Quando já
entendemos os fatos dolorosos que tivemos que enfrentar, desde os mais duros,
inesperados ou não, aos mais simples e corriqueiros, pensamos que já passamos
por todo o processo que nos leva ao amadurecimento e à aceitação. À princípio
negamos, não acreditamos na possibilidade do pior. Depois imploramos por
milagres que pudessem mudar a situação e, quando não atendidos, nos revoltamos,
tivemos muita raiva, sentimento de injustiça... Finalmente nos conformamos por
nossa impotência ou porque “entendemos” as razões religiosas e as dificuldades
dos outros em nossa vida. Mas entender é racionalizar, é analisar com nossa
mente racional. Parece, então, que estamos acalmados, conformados!
Contudo,
nossos sentimentos transitam em outro nível, numa dimensão afetiva. Nossa mente
tenta controlá-los com explicações, mas nossa dor e nosso assombro se negam a
internalizar, a “ouvir” verdadeiramente, essas racionalizações. . Mesmo nos
sentindo já conformados, vai instalando-se em nós, de forma sutil, sorrateira, um
sentimento de “inconformação”. E muitas vezes nem suspeitamos desse peso que
carregamos escondido em nosso coração.
Essa “não
conformação” pode se revelar a nós mesmos por constante, mas sutil e interior,
insatisfação, irritação, tristeza... Vamos enrijecendo-nos, impacientes com pessoas
e fatos à nossa volta, tornamo-nos justiceiros dos erros do mundo, críticos
calados do modo de ser de pessoas
(inclusive nós mesmos), das culturas, de nossa época... Na verdade, nada
podemos aceitar, porque ainda não aceitamos nossa realidade, nossa história.
Estamos ainda muito machucados, embora controlados por nossa mente racional e
lógica, que nada entende de sentimentos.
Esse
descompasso entre a mente e o coração nos adoece o corpo, que carrega a pressão
de dores sufocadas pela mente. Num
paradoxo cruel, ou justificando nosso inconformismo, focamos cada vez mais nosso
olhar crítico nos males e desequilíbrios do mundo à nossa volta: Maldades,
corrupções, mentiras, vinganças, lutas, paixões, ódios... Alimentamos
lembranças dolorosas, esperamos pelo pior, vibramos mal... Estamos
inconformados, estamos recaídos, estamos mal!
Tenho tentado
perceber essas minhas fases, mantendo contato com meus sentimentos, para reconhecê-los,
respeitá-los e até chorá-los. Preciso aceitar meu tempo para lidar comigo e
minha vida e sentir o que ainda se esconde debaixo de minha “conformação”. Entender
que a conformação ainda é um processo com muitas variáveis na busca da Aceitação,
que pode, finalmente, nos libertar e trazer serenidade.
Só o fato de
Aceitar que ainda não aceito, que nem mesmo me conformo totalmente, quebra
minhas resistências e já me traz mais paz interior. Preciso cessar essa luta que
tenta me obrigar a reagir da forma mais “correta” e lógica. No entanto, é minha
responsabilidade não retroalimentar minha dor e revolta com lembranças ruins e
dolorosas, com notícias de um mundo adoecido... O processo lento e natural de
digerir dores e horrores do mundo necessita de humildade e paciência. Humildade
para aceitar minha dificuldade e humildade para pedir ajuda e me entregar aos
cuidados de uma Força Maior de Puro Amor. Aos poucos, Um dia de cada vez,
atravessaremos os campos minados do medo e da revolta, o deserto da apatia
conformada, o azedume da bronca enrustida do inconformismo, para irmos, então,
chegando aos suaves campos da Aceitação.