Quando somos
confrontados com a traição em nossas relações nosso mundo interior, alicerçado
em nossas “certezas”, desmorona. Ficamos, literalmente, no chão, desequilibrados,
confusos, perdidos, em meio a uma enorme dor. A autoconfiança, um dos pilares
de nossa autoestima, desaba, desaparece...
O abalo é maior, na proporção direta do quão maiores foram nossas
expectativas na honestidade da relação.
Quanto mais próximos e intensos os laços (de sangue, familiares, de
amizade, de paixão...) mais acreditávamos que seríamos para sempre verdadeiros
uns com outros. Quanto maior a entrega e o envolvimento afetivo, com amantes e
amados, maior nossa expectativa idealizada de um compromisso total de amor e
lealdade.
Temos dificuldade, ou nos é até
impossível, olhar quem amamos sob uma perspectiva real, como seres que falham,
que têm medo da verdade, que mentem, que traem os compromissos e as nossas
“certezas”. Temos também dificuldade de reconhecer o quanto nós, da mesma
forma, não somos sempre “de verdade” sob nossas máscaras, em nossos papéis,
mesmo que não tenhamos chegado a comportamentos de “traição explícita”! Mas essas são reflexões só deverão nos
ocorrer mais tarde, com o auxílio do tempo... No momento do confronto com a traição
só existe a dor que, se desdobrando como as águas de um lago em ondas após o
choque, fazem explodir nossas emoções confusas e se refletem em atitudes
agressivas de revide.
Ficamos inseguros, medrosos... Uma
raiva imensa, intensa, misturada a uma mágoa ainda maior e a uma grande auto
piedade... Também, como após um abalo na
Terra, passado o primeiro choque, as emoções vão se espalhando, modificando,
transformando... Instala-se uma raiva surda, um ressentimento amargo... Descobrimos uma vergonha horrível por termos
acreditado, por termos tanto nos dedicado... Vergonha e culpa por termos, de
algum modo, falhado. E voltamos nossa raiva também contra nós mesmos! A princípio não há perdão para o Outro. Mais
tarde, nem para nós! Talvez a fase mais demorada e difícil desse perdão
seja a descoberta e aceitação do nosso orgulho e vaidade tão feridos! Admitir
que não fomos para o Outro tudo aquilo que acreditávamos ser e merecer, admitir
nossas fraquezas e carências ao fazer
nossas escolhas, admitir que somos todos apenas pessoas que sonham e falham...
As atitudes de retaliação acompanham
essas emoções tão dolorosas e poderosas. Queremos magoar tanto quanto nos
sentimos feridos. São momentos convulsos e confusos que nos levam a
comportamentos muito equivocados! Comportamentos que não apagam nossa dor e tumultuam ainda mais
a todos os envolvidos conosco. Podem tornar-se uma larga e poderosa onda de
choque, que fere cada vez mais longe... E podem se eternizar em jogos sutis,
perversos, que tanto ferem a todos nós.
Para alguns, o confronto com a
traição pode ser tão doloroso, que se defendem com a negação da realidade. Preferem
não ver e não acreditar... Ou preferem desqualificar a traição e perdoar “só
dessa vez”...
E então? O que fazer? A princípio, é
hora do não fazer, porque ainda
estamos muito presos ao que se passou (passado) e ao Outro. E não temos o poder
de modificar nem um, nem outro!! Ainda estamos com o foco fora de nós, no Outro
– lamentando que acreditamos demais, demos poder demais, esperamos demais,
confiamos demais... Estamos obcessivamente crucificando o Outro, porque falhou,
por não ser o que esperávamos, pelo que prometeu e não cumpriu... Estamos até
mesmo buscando um Outro!
Então, é hora de trazer o foco para
mim. A saída está em mim! Preciso me acolher nesse momento, com aceitação e
carinho. Isto é me nutrir. Indagar dos meus porquês, da minha vulnerabilidade,
das minhas carências, das minhas idealizações... Entender e rever minhas
escolhas, às vezes tão cegas e equivocadas! Aprender com minha experiência tão
doída. Aos poucos, com esse cuidado
gentil e generoso comigo mesma, deixando fechar minhas feridas, vou adquirindo
auto confiança, serenidade e alegria no caminhar. Após a terrível tempestade, as águas começam
a se acalmar... Já estou me perdoando. Já posso perdoar o Outro. Já posso desistir de
ficar relembrando tudo que ainda me faz sofrer.
Estou aprendendo a amar sem idealizar e busco seguir em frente mais
firme, sem amargura, mais lúcida e serena.
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