As casas da minha infância...
Preciso revisitá-las, trazer as lembranças daquilo que vi apenas com os olhos
de criança, muitas tão guardadas, algumas já esquecidas. Quero revê-las hoje,
com olhar de adulto, olhos mais vividos, olhos que podem ir re-significando
essas lembranças.
Elas eram assim... As famílias
maiores – pais, filhos, avós, irmãos, às vezes tios e primos, agregados e
empregados muito “antigos”, que
atravessavam gerações, memórias vivas das histórias da Família, mesmo as
mais secretas! As vidas eram mais
misturadas, com muito menos “privacidade”, mas nem por isso com menos incríveis
e tolos segredos – de família e em família.
Ciúmes, vaidades, invejas, disputas pelo poder, articulações políticas e
tolices humanas entre os adultos, ainda que quase sempre desapercebidas pelas
crianças.
A autoridade dos avós, clara ou
subtendida, exercida ou lembrada através da obediência ou do respeito dos
nossos pais. O avô austero, a avó carinhosa, matriarca sutil, definindo caminhos,
sendo sempre ouvida pelos filhos... (nem sempre obedecida, mas certamente
ouvida com respeito e paciência).
Os pais ainda jovens,
trabalhando, fazendo passeios nas férias, em fins de semana, visitas aos
parentes, estudando conosco, lendo histórias... nos tempos incríveis,
anteriores ao domínio da televisão!
Tios ou primos que eventualmente
passavam tempos em nossa casa (por motivos segredados que não nos deixavam
ouvir) e isso era sempre uma festa para as crianças.
Vizinhos que se tornavam quase
parentes, parceiros de conversas de fim de dia nas calçadas...
Casas com quintais, cães, gatos,
galinheiros... Grandes quintais (ainda maiores na nossa percepção infantil) que
foram diminuindo conforme crescemos e a cada mudança, até se transformarem em
pequenas áreas de concreto! Quintais de muitas brincadeiras, algumas perigosas,
outras “licenciosas”. Quintais de sonhos e fantasias compartilhados, de brigas
e “alianças políticas” infantis.
Hoje percebo como a comunicação
entre os adultos era tantas vezes velada, cheia de olhares, de subentendidos
interditos a nós, crianças. Os desentendimentos eram acobertados pelo “bem da
família” e minimizados para as crianças.
Os mais velhos davam instruções contínuas para nos orientarem, inclusive
sobre os pensamentos e sentimentos que poderíamos ou deveríamos ter! Éramos
cuidados, mas não éramos ouvidos! As casas
de nossa infância foram escolas em tempo integral onde aprendemos e exercitamos
como deveríamos ser e estar.
Revisitá-las me traz tantas
lembranças! Algumas muito doídas pela
impotência da criança ante o mundo adulto, pelos fatos duros da vida ou
pela saudade, mas outras muito doces, coloridas pela magia natural de nossa
infância. Gosto de revê-las com um novo
entendimento que a maturidade me trouxe.
Gosto de rever as figuras que as povoaram (heróis ou
bandidos), e poder colori-los de verdade e humanidade. Gosto de entender os
padrões de hierarquia, de comunicação, os acertos e erros, as crenças que
dirigiam aquelas pessoas tão importantes do meu passado para, hoje, poder mais
livremente fazer minhas próprias
escolhas em minhas atuais famílias.
A casa de
minha infância foi meu berço, meu ninho. O que permanece mais forte foi a
acolhida, os laços fortes (de sangue ou não) que foram se estabelecendo no
convívio com sustos, perdas, medos, sonhos, brigas, desejos, alegrias,
decepções... Permanece a percepção do amor sempre presente e a vontade de que
tudo desse certo, porque queríamos tanto ser felizes!