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quinta-feira, 3 de outubro de 2013

A CASA DA INFÃNCIA



As casas da minha infância... Preciso revisitá-las, trazer as lembranças daquilo que vi apenas com os olhos de criança, muitas tão guardadas, algumas já esquecidas. Quero revê-las hoje, com olhar de adulto, olhos mais vividos, olhos que podem ir re-significando essas lembranças.

Elas eram assim... As famílias maiores – pais, filhos, avós, irmãos, às vezes tios e primos, agregados e empregados muito “antigos”, que  atravessavam gerações, memórias vivas das histórias da Família, mesmo as mais secretas!  As vidas eram mais misturadas, com muito menos “privacidade”, mas nem por isso com menos incríveis e tolos segredos – de família e em família.  Ciúmes, vaidades, invejas, disputas pelo poder, articulações políticas e tolices humanas entre os adultos, ainda que quase sempre desapercebidas pelas crianças. 
A autoridade dos avós, clara ou subtendida, exercida ou lembrada através da obediência ou do respeito dos nossos pais. O avô austero, a avó carinhosa, matriarca sutil, definindo caminhos, sendo sempre ouvida pelos filhos... (nem sempre obedecida, mas certamente ouvida com respeito e paciência).
Os pais ainda jovens, trabalhando, fazendo passeios nas férias, em fins de semana, visitas aos parentes, estudando conosco, lendo histórias... nos tempos incríveis, anteriores ao domínio da televisão!
Tios ou primos que eventualmente passavam tempos em nossa casa (por motivos segredados que não nos deixavam ouvir) e isso era sempre uma festa para as crianças.
Vizinhos que se tornavam quase parentes, parceiros de conversas de fim de dia nas calçadas...
Casas com quintais, cães, gatos, galinheiros... Grandes quintais (ainda maiores na nossa percepção infantil) que foram diminuindo conforme crescemos e a cada mudança, até se transformarem em pequenas áreas de concreto! Quintais de muitas brincadeiras, algumas perigosas, outras “licenciosas”. Quintais de sonhos e fantasias compartilhados, de brigas e “alianças políticas” infantis.

Hoje percebo como a comunicação entre os adultos era tantas vezes velada, cheia de olhares, de subentendidos interditos a nós, crianças. Os desentendimentos eram acobertados pelo “bem da família” e minimizados para as crianças.  Os mais velhos davam instruções contínuas para nos orientarem, inclusive sobre os pensamentos e sentimentos que poderíamos ou deveríamos ter! Éramos cuidados, mas não éramos ouvidos!  As casas de nossa infância foram escolas em tempo integral onde aprendemos e exercitamos como deveríamos ser e estar.

Revisitá-las me traz tantas lembranças! Algumas muito doídas pela  impotência da criança ante o mundo adulto, pelos fatos duros da vida ou pela saudade, mas outras muito doces, coloridas pela magia natural de nossa infância.  Gosto de revê-las com um novo entendimento que a maturidade me trouxe.
Gosto de rever as figuras que as povoaram (heróis ou bandidos), e poder colori-los de verdade e humanidade. Gosto de entender os padrões de hierarquia, de comunicação, os acertos e erros, as crenças que dirigiam aquelas pessoas tão importantes do meu passado para, hoje, poder mais livremente fazer minhas próprias escolhas em minhas atuais famílias.


            A casa de minha infância foi meu berço, meu ninho. O que permanece mais forte foi a acolhida, os laços fortes (de sangue ou não) que foram se estabelecendo no convívio com sustos, perdas, medos, sonhos, brigas, desejos, alegrias, decepções... Permanece a percepção do amor sempre presente e a vontade de que tudo desse certo, porque queríamos tanto ser felizes!